Descrição
Sabe-se que o sistema penal opera de forma simbólica. O sentido do castigo é funcional para que as representações sobre bem e mal, certo e errado, justo e injusto, puro e impuro, se difundam no imaginário coletivo. Assim são dados os contornos de uma alegoria punitiva a figura do traficante - que alimenta e justifica discursivamente ao senso comum toda a brutalidade e violência das agências penais (políticas, executivas e de legitimação). As páginas que o leitor encontrará adiante denunciam categoricamente essa fraude retórica, tão necessária à legitimação do poder penal, e demonstram a dimensão genocida por ela conquistada no cenário de uma (neo)economia de mercado.
Na governamentalidade neoliberal, a mercantilização da vida a tudo converte em produto. A lógica do Estado mínimo e do mercado máximo potencializa o consumo a níveis adictivos. Passamos a consumir, inclusive, sensações, estados ou condições imateriais. A política de guerra às drogas é, em grande medida, fruto desse cenário econômico e geopolítico. Projeta o medo e o sentimento de insegurança a escala multitudinária quando converte o traficante no inimigo social e as drogas no grande risco global para, aproveitando-se das expectativas punitivas daí resultantes, apresentar-se como ferramenta legítima para o exercício do poder sobre os corpos.