Descrição
No dia 23 de março de 2021, o navio Ever Given, de mais de duzentas toneladas e quatrocentos metros de comprimento, um dos maiores cargueiros de contêineres do mundo, encalhou e bloqueou o Canal de Suez, por onde são transportados diariamente 8% do gás natural liquefeito mundial, aproximadamente um milhão de barris de petróleo e o equivalente a 12% do comércio global. A sua remoção, apenas seis dias depois, não apagou o prejuízo estimado pelo bloqueio de uma das rotas comerciais mais relevantes do globo: US$ 60 bilhões de dólares.
O elevado grau de dependência e conectividade existente entre todos aqueles que, de algum modo, se inserem economicamente na comunidade global, ilustrado no caso da embarcação - que pertence a uma empresa japonesa e é operada por uma taiwanesa - é uma realidade.
Esta mesma dependência, que permite que o mercado evolua de modo eficiente e que diversas cadeias de suprimentos sejam formadas ao redor do mundo, gera diversas relações jurídicas e uma sujeição de múltiplas empresas, pessoas e ativos, a diversas ordens normativas.
Em momentos de crise, a harmonização de normas de diversos sistemas jurídicos, que possuem regras distintas e aplicáveis aos casos concretos, aparece como uma ferramenta facilitadora.
No Brasil, em dezembro de 2020, foi sancionada a Lei n° 14.112/2020, que incorporou na Lei n° 11.101/05 um capítulo voltado exclusivamente à insolvência transnacional, aqui utilizada em seu sentido lato sensu, compreendendo os processos de recuperação judicial, extrajudicial e de falência de empresas que desenvolvam as suas atividades em países de origem diversa.
Diante disso, pergunta-se: a adoção da prática da cooperação jurídica internacional, por meio da ação de reconhecimento de processo de insolvência estrangeiro baseada na Lei Modelo da UNCITRAL, representa algum risco à soberania nacional brasileira?