Descrição
Desastres ambientais em si sempre existiram. No debate atual eles são atribuídos geralmente à atividade humana. Sua magnitude, ao lado das ameaças do aquecimento global, os coloca na ordem do dia. Mas no que consiste a crise ecológica de nosso tempo? A retórica ambientalista tem levado ao questionamento moral das ações dos homens. Os passos seguintes são a universalização dos responsáveis, bem como a idealização da sustentabilidade.
Guilherme Uchimura é consciente das limitações dessa retórica e mostra que há algo de novo na história da devastação da natureza. Para apreendê-lo, regula com precisão a mira da crítica. Ao invés de olhar para o meio ambiente, escolhe o capital. Com isso, conclui que catástrofes naturais são metamorfoseadas por expropriações capitalistas. A partir desse momento, não se pode mais falar em erros humanos e danos ecológicos, mas sim em desastres ambientais para o capital. É disso que se trata o presente livro. Desenvolve com destreza tese marxista de que a reprodução desses desastres está ligada ao modo de produção social.
Assim, é possível redefinir a tragédia: ao integrar a acumulação, o extrativismo promove, em proporções cada vez maiores, seu próprio excesso. A tragédia, porém, tem nome. O rompimento da Barragem de Fundão foi a mais devastadora catástrofe da mineração brasileira.
Uchimura não a toma por um “case”. Sua crítica geral do capitalismo entrelaça-se com o empreendimento envolvido. O resultado é uma reflexão poderosa sobre a história do aproveitamento industrial de rejeitos. Nela, pelotas de minério descartáveis são constituídas de trabalho vivo não pago e porções de insumos ainda não aproveitáveis. Guardam, portanto, o potencial de se tornar ferro-mercadoria. Por isso, devem ser acumuladas e incorporadas aos cálculos de risco em cenários econômicos desfavoráveis. Na análise acurada do autor, o reservatório de resíduos do Fundão era também reserva futura de “ruminação de valor”.
A crítica avança e dá voz aos atingidos, expropriados de suas terras e modos de vida. A comunidade de Gesteira emerge nas páginas do livro pela reconstrução da ação coletiva em defesa do reassentamento. Uma luta que não se dirigiu apenas aos grupos de interesse, mas confrontou-se também com dinâmicas jurídicas que buscam violentamente assujeitá-los, de sorte a esvaziar a organização popular e convertê-los em sujeitos-proprietários de créditos. Tal conversão tem sido meio de precarização da existência. Gesteira não se furta de enfrentá-la.
Trata-se de um livro precioso que atravessa cuidadosamente a complexidade dos processos indicados. Leitura fundamental para entendermos tanto nossa maior tragédia ambiental, quanto a crise ecológica do capitalismo global.
Guilherme Leite Gonçalves (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)