Descrição
A produção humana sempre foi acompanhada por uma constante expansão das suas capacidades, revelando não apenas um reflexo da sua criatividade, mas também um testemunho da sua condição ontológica. Em cada invenção, o homem manifesta e exterioriza aspectos fundamentais de sua natureza interna, transcendendo sua mera constituição orgânica e conferindo materialidade ao seu querer (Wollen), à sua vitalidade e à sua inspiração (die Inspiration). Nesse processo, as criações humanas atuam como catalisadores de um duplo aprimoramento: por um lado, potencializam suas capacidades físicas e sensoriais; por outro, ampliam seu universo psíquico e simbólico. Dessa forma, a invenção de ferramentas e tecnologias não apenas serve para atender às necessidades materiais, mas também contribui para a edificação de um mundo que reflete sua própria subjetividade. Os avanços evidenciam que a existência humana não se restringe ao plano biológico, mas adentra uma esfera dinâmica e construída, um mundo cujo dynamus supera as limitações naturais. Em consonância com essa perspectiva, o filósofo Martin Heidegger, em sua análise sobre a técnica, argumenta que a “modernidade não apenas desenvolveu instrumentos que auxiliam a vida humana, mas instaurou uma nova relação entre o homem e o ser, na qual a técnica molda a experiência e a percepção do mundo”. Assim, o advento do universo digital e das inteligências artificiais não representa apenas uma extensão instrumental do humano, mas uma reconfiguração do próprio modo de ser e interagir. A inserção na realidade virtual, nas redes de computadores e na inteligência artificial não apenas expande suas possibilidades de ação, mas também inaugura um novo paradigma identitário. A construção de avatares, a participação em espaços digitais e a modificação contínua da imagem e da voz sugerem um deslocamento da identidade para um espaço fluido, onde o eu se torna um conceito maleável e tecnicamente mediado. Sigmund Freud já indicava essa transformação ao afirmar que o homem, por meio da técnica, “se aproximou bastante da consecução desse ideal, ele próprio quase se tornou um deus”. Essa afirmação revela um aspecto fundamental da relação entre humanidade e tecnologia: ao mesmo tempo que busca transcender suas limitações, o homem corre o risco de perder a referência de sua própria condição original. Diante desse panorama, impõe-se uma reflexão crítica sobre os impactos dessa transição: se, por um lado, o desenvolvimento tecnológico amplia as capacidades humanas e redefine a maneira como o homem interage com o mundo, por outro, impõe desafia os éticos e existenciais sobre a autenticidade da experiência e a permanência da subjetividade.